sábado, 9 de janeiro de 2010

Elevadores de Lisboa vão receber intervenções artísticas - NOTÍCIA BOA!

Segundo informações divulgadas pela Carris e CML, até 30 de Junho deste ano, quatro equipamentos emblemáticos de transporte de passageiros na cidade vão mostrar aos lisboetas e turistas intervenções de Alexandre Farto no Ascensor da Bica, Vasco Araújo no Ascensor do Lavra, Susana Anágua no Ascensor da Glória e Susana Mendes Silva no Elevador de Santa Justa.

Alexandre Farto - ASCENSOR DA BICA - ESPECTRO
A trajectória realizada pelo Ascensor da Bica acontece ao longo de um eixo, a Rua da Bica de Duarte Belo, que une duas linhas paralelas à superfície reflectora do Tejo, a Rua de São Paulo e a Calçada do Combro. No cimo do trajecto é-nos revelada, sobre o espelho-rio, uma constante transformação que se reproduz na modificação que ao longo do dia/noite, se dá na “paisagem vivencial” da rua em que o ascensor transita. Durante o dia a rua é povoada pelas pessoas que habitam no bairro da Bica – uma amálgama de gerações, actividades e propósitos; ao cair do dia, as pessoas que ali vivem recolhem-se e abrem espaço a uma vivência mais circunstancial, que recicla a vida daquele lugar até ao romper do quotidiano diurno.
O Ascensor da Bica faz parte integrante deste quadro – integra-se na história, vivência e configuração do bairro – que é activado pelas gentes que por ali transitam.

Vasco Araújo - ASCENSOR DO LAVRA - A VIAGEM
O trajecto do Ascensor do Lavra, assim como a zona onde está inserido, remete-nos para um tempo-outro. O percurso e a paisagem bucólica que desvenda perfaz uma viagem que expande a nossa noção de tempo; durabilidade e permanência são dois conceitos com que nos confrontamos ao longo deste trajecto. O seu percorrer ao longo de uma ladeira muito escarpada e por entre muros seculares (quase que ininterruptamente constituídos por paredes cegas) transfigura-se numa viagem introspectiva. O movimento da paisagem que se sucede no exterior é propício ao desamarrar de considerações por aquele que está parado no seu interior. A ideia do viajar (e potenciada pela deslocação ascendente ou descendente) pode ser considerada como uma metáfora dessa grande viagem que é a Vida. As grandes questões filosóficas que nos acossam desde tempos primórdios são a base dos escritos clássicos. É a literatura e os temas Humanistas, que autores como Eurípedes, Aristófanes, Homero, Shakespeare, Cesare Pavese ou Samuel Beckett abordam, que Vasco Araújo tem vindo a invocar no seu trabalho. A intervenção para o Elevador do Lavra, que o artista intitulou de “A Viagem”, pede de empréstimo excertos da obra de Fernando Pessoa que entremeia com pensamentos de sua própria autoria. Uma reflexão sobre a viagem – a que está decorrer no momento, o trajecto prosaico de começar num ponto e chegar a outro – intercalada com pensamentos, questões e invocações sobre a nossa viagem maior.

Susana Anágua - ASCENSOR DA GLÓRIA - IN.TER.SEC.ÇÃO
No desfecho do século XIX o sistema de tracção utilizado pelo Ascensor da Glória consistia num esquema de cremalheira e cabo por contrapeso de água. Os dois volumes, ligados entre si, entravam em movimento iniciando uma acção de contrabalanço: cada um transportava um reservatório de água que era transferida do ascensor que descia para o que subia. Alternando pesos, repartindo forças e gerando energia. No percurso dos 265 metros que os dois ascensores continuam a percorrer diariamente há um preciso período de tempo e espaço em que os dois ascensores se encontram e transitam em paralelo e em proximidade. Um momento de contrapeso, de equilíbrio de força e tensão. É sobre “mecanismos actuantes e pactuantes da Entropia da matéria” que Susana Anágua tem vindo a desenvolver a sua pesquisa visual. Como certeiramente descreve Leonor Nazaré, Susana Anágua segue a lógica de estruturas como “grelhas, ciclicidade, magnetismo, suspensão, equilíbrio, movimento, atracção, oposição”, devolvendo-lhe expressão artística, ao que a curadora sintetiza afirmando que “no seu trabalho o mundo são campos de forças invisíveis agindo sobre o peso da matéria, imprimindo-lhe transformação e movimento”. O questionamento da natureza em paralelo com as relações de proximidade, de proveito ou de inter-dependência com várias medidas mecânicas ou tecnológicas, é o foco de atenção que a artista tem vindo a desenhar no seu percurso artístico, sob o formato fotográfico, vídeo ou de esculturas-instalações.

Susana Mendes Silva - ELEVADOR DE SANTA JUSTA - SANTA JUSTA http://santa-justa.blogspot.com/
Pelas 14 horas do dia 10 de Julho de 1902 o Elevador de Santa Justa foi aberto ao público, “que pagava para descer 10 reais e para subir 1 vintém”, agilizando a circulação por entre a sinuosa geografia tão característica de Lisboa das pessoas que vivenciavam a baixa da cidade. A viagem de duração muito curta, num espaço reduzido e sem grande visibilidade para o exterior convocava (e continua a invocar) um momento de circunspecção. Uma circunstância de ponderação individual e colectiva – de tomada consciência do Outro.
Susana Mendes Silva tem vindo, precisamente, a abordar uma prática artística que promove a envolvência do observador no processo artístico, na obra de arte ou, a limite, o trabalho incute a ideia de que o espectador (o usufruidor, o passageiro, o Outro) completa a obra de Arte. Trata-se de um trabalho que se posiciona na senda do conceito de "Estética Relacional" cunhado pelo teórico francês Nicolas Bourriaud, que compreende as práticas artísticas que trabalham em função dos contextos, comunidades e circunstâncias particulares em que os artistas operam nesta era globalizante. Foram igualmente as características formais com que Susana Mendes Silva tem desenvolvido o seu trabalho que se configuraram como as ideais para uma intervenção no espaço específico do Elevador de Santa Justa. O carácter intimista da cabine do elevador foi desde logo eleito como lugar para a sua proposta de “interferência”. Entrar em diálogo com os passageiros, com uma comunidade passageira, em trânsito e em constante deslocação. É de frisar que este é o itinerário com maior afluência de turistas; por outras palavras, naqueles reduzidos metros quadrados, atentas e em convivência num parco período de tempo, estão reunidas pessoas de origens várias, com diferentes culturas e portadoras de experiências diversas. Criar um momento de comunidade é como pode ser sintetizada a intervenção de Susana Mendes Silva no Elevador de Santa Justa.
De um modo afectuoso dirige-se ao desconhecido, criando por breves momentos uma correspondência com o anónimo e que, por consequência desta, repercuta uma consciência no colectivo do qual temporariamente faz parte. A proposta segue a premissa de que determinadas narrativas têm a capacidade de articular o particular com o universal, o privado com o público, o íntimo com o incógnito.

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